A conquista da televisão

Posted in Uncategorized on abril 29, 2010 by ederfz

Os seriados de televisão surgiram com o declínio da audiência dos seriados cinematográficos e com o aparecimento dos seriados radiofônicos – um formato de 15 minutos copiados pela TV posteriormente. O primeiro seriado transmitido oficialmente pela televisão foi nos Estados Unidos, em 1952. Guiding Light já havia sido transmitido pela rádio NBC e,mais tarde, foi parar na rede CBS. À época, os seriados tinham como principais temas a sociedade e a economia, bem como tentavam mostrar muito as mulheres.

Os primeiros seriados considerados de sucessos nos EUA foram Guiding Light(1952),As The World Turns (1956), General Hospital (1963), Days of Our Lives (1965), One Life to Live (1968), All My Children (1970) e The Young and The Restless (1973).

Nas décadas de 50 e 60, as trilhas eram tocadas por órgão. Já a partir das décadas de 70 e 80, as grandes orquestras passaram a tomar conta dos seriados.

Horário e audiência

Uma curiosidade interessante é que esses seriados iniciaram sendo exibidos à tarde. Só depois da década de 60 que eles foram para o horário nobre, tendo a rede ABC como a grande pioneira nesse sentido. Este horário só acabou ganhando popularidade no meio da década de 70 e permaneceu assim até hoje. Os seriados só passaram a ser uma guerra de audiência das grandes redes nos EUA a partir da década de 80. Com a chegada da TV a cabo, também nessa década (variando o ano em cada país), os seriados se tornaram um fenômeno internacional.

Atualmente

Hoje, internacionalmente, os principais seriados exibidos são Lost, Heroes, Gossip Girls, The West Wing, Prison Break, Curb Your Enthusiasm e 24 horas.

Lost é um dos seriados mais assistidos da história

Ensaio de daltonismo

Posted in Crônicas on julho 16, 2009 by ederfz

Acordo. O lençol branco, manchas queimadas do cigarro, caio para fora da cama. Vou até a cozinha. Visão embaçada, a reméla pinicando no canto da minha vista. Tem um resto de leite na caneca de aluminio. Cheiro. Parece azedo. Ligo a boca do fogão e coloco a caneca. Olho através da janela. Céu griz, nuvens carregadas de cinza. Enfio o indicador no olho direito, removo um naco de reméla, amarela, purulente. Aproximo o dedo da chama. A nháca derrete, pinga na chapa de inox do fogão, onde fica borbulhando. A espuma do leite começa subir. Chiando. Vai escalando as paredes da caneca até chegar na borda e transbordar. Desligo o fogo.

Esbarro na mesa com minha barriga. Um copo cai no chão. Quebra. O piso molhado. Ainda tinha um resto de vinho branco seco no interior do copo. O outro continua sobre a mesa. Vazio. Caminho por sobre os cacos. Dou alguns passos e tenho que parar. Retiro um grande pedaço de vidro da sola do meu pé. O sangue escorre em abundância. Negro. Vou até o banheiro. Ligo a torneira e deixo minhas mãos debaixo da água. Negro branco. Olho pra trás e vejo Cyntia, deitada na banheira. Deitada eternamente. A água cobre parte do seu corpo nú. Muito bonita e pálida. Os bicos de seus seios escuros, grandes aureolas, contrastam com a água clara, cristalina. Parecem duas ilhas. Seus olhos, arregalados, fitam o nada. Me aproximo. Observo aqueles enormes olhos, as púpilas dilatadas. Que cor teriam? Devia ter perguntado antes. Esfrego as mãos no vestido de Cyntia com força. Ainda tem o seu perfume. Vou para a cozinha. O leite já deve estar esfriando.

Pesquisa de campo

Posted in Contos on julho 16, 2009 by ederfz

-Instituto Médico Legal de Campo Verde, pois não?

-Boa noite, com quem estou falando?

-Aqui é a legista Cyntia. Quem está falando?

-Bom, Cyntia, aqui é Renato Ferreira. Peço desculpas por ligar pra você esse horário, mas é que eu preciso tirar uma dúvida.

-E que dúvida seria essa?

-Sei que pode parecer estranho, mas é que sou escritor. Estou preparando um novo livro e gostaria de alguns dados para incrementar minha estória. Alô, você ainda está ai?

-Sim, claro. Mas não sei se posso ajudar o senhor. Além do mais estou cheio de serviço.  O senhor não poderia ligar amanhã no horário normal?

-Olha, peço desculpas novamente. Quero que entenda que se lhe incomodo a essa hora é porque não vi outra alternativa. Reuni muita informação na pesquisa para elaborar meu  romance. Tenho uma boa bibliografia de referencia, até me endividei para comprar livros sobre o assunto. Também tenho uma lista de muitos sites especializados. Mas a questão é que nenhum me deu uma resposta satisfatória.

-Olha, meu amigo, o senhor quer chegar logo a uma conclusão. Senão vou desligar..

-Não, por favor. O caso é que agora, em plena madrugada, tive uma revelação de um final maravilhoso para o livro. Mas me faltam dados para concluir se este encerramento pode ter verissimilhança com a realidade ou não. Isto é muito importante para mim. Não, na verdade é crucial para que ele funcione. Pois nesse livro não há espaço para invenções e devaneios, nem mesmo incoerências.

-Cada maluco que me aparece…

-Calma, Cyntia. Quero que você entenda que já trabalho nesta obra a cerca de cinco anos. Um período muito complicado, diga-se de passagem. Pois nesse tempo minha mãe veio a falecer. Além disso passei por um logo e doloroso processo de separação. Esse livro é tudo que me restou. Você não sabe como minha vida é difícil…

-E eu com isso? Você por acaso acha que a minha vida é fácil? Ainda mais tendo de ligar com lunáticos como você!

-Tudo bem, não tomarei mais o seu tempo. O problema, a questão, aquilo que me impede de continuar escrevendo ou fazer qualquer outra coisa é saber de uma coisa que, acredito, deve ser simples pra você. O que preciso saber é: no cadáver, de uma vítima de estrangulamento, os olhos ficam com as pupilas dilatadas ou contraídas?

-Mas…hora, vá se catar, seu doente mental.

-Cyntia, é apenas para o meu livro. Eu apenas…

-…Tlec!

Baixo o fone e olho para o relógio na parede: três e vinte. Abro a maleta sobre a mesa. Confiro o conteúdo. A rosa branca, pregos, telefone celular, a ampola, a seringa, um livro do Paulo Coelho. Falta a corda, droga. Pego-a debaixo da pia e junto com o resto. Fecho a maleta. Tenho de me apressar, ela sai as cinco. Antes de sair abro a geladeira e vejo o vinho branco solitário e gelado. Cinco anos. Mas hoje ela me mostra, com seus próprios olhos.

Manual para ser um bom cão

Posted in Contos on junho 19, 2009 by ederfz

Para ser um bom cão existem regras. A mais importante é nunca morder a mão do dono. O dono -e isso não é difícil de identificar- é sempre aquele que alimenta o cão. Que também lhe dá a coleira e que aplica o corretivo.

Sua mão alcança o bife no meu prato. Já havia recusado. Não obrigado, estou satisfeito. Mesmo assim -e ele ouviu da primeira vez, sei que ouviu- coloca o bife no meu prato. O cão não tem opção. Não comer é uma desfeita com o dono. Um cão não tem vontade própria. A vontade do dono prevalece sobre a vontade do cão.

Come! È uma ordem. O verbo imperativo pertence ao dono. O cão fica com o verbo condicional. Eu quereria ser livre. Foder a cadela do dono. Lamber sua xoxota sebenta. Sorver os seus mamilos. Come-la e deixá-la cheia de porra pra que o dono pudesse ver que estive ali, no seu território. Não come! Diz o dono.

Não como.

Mastigo. Como um bom cão. O bife engasga em minha garganta. O dono sorri satisfeito. Não porque se delicie de ver o cão bem alimentado. Mas porque sabe que o cão não pode morder a mão que o alimenta. Seria reprovado por todos. O resto da matilha aceita, porque com ele seria diferente?

O dono está sempre certo. Quando não está certo não se pronuncia. Mas ele sempre se pronuncia.

A mão que bate é a mão que educa.

O bife é o poder.

O dono segura os culhões do cão, que só fode as cadelas quando ele permite. Aquelas que ele permite. Sua castração não é física ou química. È a castração do poder.

Desaparecido o dono – doce ilusão- os sintomas podem não desaparecer. O dono fica fazendo parte do cão. É a fece do cão que odeia a si mesmo. A parte que, mas do que aceitar a coleira, deseja a coleira.
Não sabe mais viver sem ela.

O cão chora pelas pessoas sem coleira, por elas tornarem o mundo tão insuportável, com seus ares de liberdade. Grandes merdas, a liberdade.

O cão aprende a amar o dono e a coleira. Não tem amor próprio.

O dono aprende a nunca amar o cão. Somente a coleira.

Eder Z
Um bom cão

Feliz dia das mães

Posted in Contos on junho 19, 2009 by ederfz

Molhando as fatias murchas de pão francês adormecido no café preto morno, lentamente, na manhã cinzenta. Pela janela da cozinha pode ver a sobrinha, vestido rasgado de chita, bichinho do mato, suga ranho, toquinho de gente, remexendo folhas secas com um graveto no pátio da casa.

Madrugadeira a bichinha, pensa, e sorve a massa encharcada, pingoteando gotas negras na mesa de fórmica. Bem diferente do pai dela. Bêbado ingrato. Encheu o cú de cachaça na noite passada e ronca como um trator no quarto dos fundos. Dorme o sono dos justos, o filho da puta. Nem pra acordar e procurar um ganha pão serve o canalha.

A menina pára de mexer nas folhas e olha curiosa para o lado. Os olhos de um negro opaco, cheio de remelas, começam a brilhar.

Deve estar cuidando alguém que passa na calçada, pensa o tio bocejante.

A garotinha resmunga algo baixo, pra si mesma. Depois vai repetindo num crescente.

-Mãe??? … Mãe! Mãee!! MÃEE!!! MÃNHEEE!!!

Pega a xícara de café com um naco de pão submergindo do líquido preto e vai até a janela. Ainda a tempo de ver a mulher, cara rebocada de maquiagem, roupa de baile, mancando no salto alto, passos rápidos de não tenho nada a ver com isso, desaparecer na curva da esquina, sem olhar para a garotinha ou para ele.

-Viu tio? Era a mãe! Diz a menina, eufórica, pulando e apontando.

-Era nada, menina! Deixa de besteira.

-Era sim! Eu vi que era.

Beicinho de muxoxo.

Irá. Atira a xícara dentro da pia. Asa quebrada tilinta nos pratos sujos. Café preto e cinzas de cigarro.
Maldita chocadeira dos diabos! Agulha afiada lhe fura os olhos por dentro.

Anda com raiva. Bate a bacia contra a quina da mesa, mas não pára. Pé na porta onde o irmão bebum dorme.

-Se aquela vadia passar aqui na frente de novo eu arrebento ela. De todas as mulheres tinha logo que se enrabichar por uma
rameira dessas? Juro por Deus que arrebento aquela vaca.

Hã? Resmunga o irmão semiconsciente. E volta a dormir.

No pátio a menina funga, choramingando, revirando as folhas em busca de uma minhoca fora da terra.

Eder Z
Órfão de mim

Pornoamor

Posted in Contos on junho 16, 2009 by ederfz

O terceiro dedo entrou. Ela começa a chorar pedindo que eu pare, que estou rasgando. Não paro, vou mais fundo nas suas entranhas. Sinto a contração angustiada dos músculos de seu ânus tentando me expulsar. O esfíncter sendo esticado como um elástico. Meus nós desaparecendo dentro do seu corpo.

Minha mão direita é um carrasco. A esquerda coopera, segurando suas ancas. Grita como uma doida. Esperneia tentando fugir de mim. Vira seu rosto encharcado. Me encara pedindo piedade, chorando.

-Não foi você que pediu por isso? Tem que fazer mais pra se destacar nesse ramo. O filme ta rodando. Vai amarelar?

Sou o quarto dedo. Rasgo seus pedidos.

O câmeraman para e olha pra mim do lado da câmera, sem saber o que fazer.

Aponto o indicador.

-Volta pra trás da câmera, seu puto! Filma! E você para de chorar. Já to tirando.

Vou tirando devagar, ouvindo os ais dela misturados com gritos. Tem sangue nos meus dedos. O anular, o médio e o indicador manchados, rubros.

Parou de gritar, mas chora e soluça. O ranho escorrendo do nariz sobre sua boca. Limpo os dedos no lençol. Estico a mão esquerda pro assistente que me dá uma toalha.

-Pronto, já acabou. Chega de manha…

Limpo seu rosto. Sua boca.

-Assua!

Ela sopra o nariz com força. Faço uma trouxa com a toalha.

-Vira de bruços!

-Não, para por favor!

-Calma, não vou fazer mais nada.

Vira a bunda pra cima. Rosa ferida. Está tremendo.

Passo o pano devagar no meio do seu rego. Fica uma estria vermelha no pano imaculado. Parece o mapa de um rio de sangue.

-Pronto, pronto. Olha pra mim.

Vira a cara, maquiagem borrada nos olhos. Lagrimas de lápis negro, fungando baixinho. Cachorrinho perdido. Tenho pena.

-Sabe que eu te amo. Não sabe?

Ela balança a cabeça afirmativamente.

Passo o braço atrás de sua cabeça e a puxo contra meu dorso.

Escorra a testa no meu ombro e chora baixinho.

A equipe me olha, em silêncio. Faço sinal de positivo para o câmeraman com o polegar.

-Pode desligar, vamos continuar a gravação daqui a pouco.

Pego a aliança no bidê ao lado da cama e coloco no anular da mãe esquerda.

-Fica ai que vou buscar uma água pra você.

Passo a mão no seu cabelo. Sou todo dedos.

Eder Z
O quinto dedo

Bolor

Posted in Contos on junho 16, 2009 by ederfz

Sorvo o uísque quente. Desce ardendo pela garganta seca. Gosto da queimação no meu esôfago. A dor me diz que ainda estou vivo. Viver me diz que ainda está doendo. Possivelmente vai doer mais antes de parar.

Dou uma tragada no cigarro e solto as cinzas no carpete. Vivo nesse lixo a tanto tempo. Não tenho porque limpar essa merda. Não sou melhor que esse lixo. Posso sentir o cheiro do bolor que se acumula na cozinha. Se houvesse uma máquina pra enxergar a minha alma sei que achariam algo parecido. Manchas verdes se acumulando pelos cantos do meu ser. Um fedor de azedo que arde na base do nariz e queima os olhos. Não tem mais volta.

Os vizinhos gritam um com o outro. Uma criança chora. Alguém está gemendo alto. Estão fodendo ou estão morrendo? Não dá pra saber se é gemido de copula ou de dor. A boa transa dói, dá vontade de chorar baixinho. A última transa antes de me separar com a Ângela foi a melhor. Mas também foi a que mais doeu. Ela chorou. Fodi ela como nunca antes. Não pedi que ela ficasse, sabia que não dava mais. Vou até o fundo do poço sozinho. Naquela época não disse nada a ela, mas se pudesse voltar até aquele instante em que ela me olhou na porta da garagem, enquanto seu carro dava a ré, diria isso. Não quero te levar junto. Vou me atolar nessa merda sozinho.

Levanto a minha mão e olho pelo friso entre o dedo médio e o indicador. Vejo a luz da lâmpada 60w, meus olhos doem. A beira dos dedos está amarelada. Estou todo amarelado.

Agora não deve demorar muito pra que eles abram a porta a força. O síndico já bateu umas quatro vezes na porta hoje. Meu irmão, aquele porco, vai acabar aparecendo também. Maldito cú preso. Não dá um passo sem que a mulher autorize.

Tudo bem, já fui longe demais pra voltar. Espero que o trinta e oito não emperre. Cinco balas. Se tudo der certo preciso no máximo de três. Uma pro síndico. Outra pro policial. E uma pra mim. Estão batendo na porta de novo. Dessa vez vão abrir. Podem entrar, seus putos. Amanhã eu ia sozinho. Hoje eu levo vocês junto. Sinto as manchas verdes crescendo. Não tem como retroceder mais.

Eder Z
38 menos 3

As duas faces da prostituição

Posted in Uncategorized on maio 28, 2008 by ederfz

Exercida na rua, ou numa casa fechada, as duas realidades da prostituição têm muito em comum

O escritório de Cyntia* é a calçada. Sentada nos degraus da escada de um velho estabelecimento comercial fechado, ela observa atentamente os carros que cruzam na rua. É um bairro residencial de São Leopoldo. Na mesma quadra, se encontram uma paróquia e um colégio. Há uma meia dúzia de colegas de trabalho espalhada por toda a rua. O sol está a pino, já são quase 15h. Ela espera um cliente que a ligou há pouco. A 34 km longe dali, em Porto Alegre, o expediente de Ágata* ainda não começou. O estabelecimento onde trabalha só funciona no período da noite. Das 18h às 5h. Na vida particular, as duas garotas são mães de família. Ágata, que tem 28 anos, tem uma filha de três anos e um marido. Cyntia, de 29 anos, possui dois filhos pequenos e um namorado. Em comum, as duas mulheres têm a profissão. São garotas de programa.

Leia o resto da matéria.

Limites

Posted in Crônicas on abril 9, 2008 by ederfz

-Parado ai, cara. Mãos pra cima. Isso é um assalto!

-Ok.

-Ok nada, pode ir passando a carteira.

-Aqui está.

-E esse relógio também.

-Prontinho.

-Pronto nada, me passa essa correntinha de ouro que você tem ai no pescoço.

-Ai está, amigo.

-Pode parar de gracinha e me dá a sua jaqueta pra cá.

-Sem problema.

-“Sem problema”? O que é isso? Por que você está tão prestativo assim comigo?

-É só um assalto. Eu já estou acostumado. Estou por dentro dos procedimentos.

-Acostumado? Procedimentos? Quantas vezes você já foi assaltado?

-O numero total eu não sei de cabeça, já perdi a conta. Mas hoje eu só fui assaltado duas vezes. Três, com essa…

-Só? Até parece que é pouco.

-Já levo na boa.

-Sabe, é tanta conformidade que até dá desgosto de roubar brasileiro. Essa apatia tira toda a adrenalina do assalto. Será que vocês não pensam no efeito que isso causa no assaltante? É humilhante.

-Desculpe, senhor. Dá próxima vez eu prometo parecer mais intimidado.

-“Senhor”? É disso que eu estou falando. Por isso mesmo que eu estou juntando uma grana pra ir pro exterior. Lá o pessoal valoriza o trabalho de um bom bandido. Lá eles tem medo da gente. Não é como esse povinho.

-Povinho? Você falou povinho? Tudo tem limites!!!

-É, esses brasileiros são um povinho que…epa! Tira a mão do meu trinta e oito… Devolve ele para…

-Cala a boca. Cala a boca, vagabundo. E me passa a carteira…

Amante

Posted in Crônicas on abril 9, 2008 by ederfz

Foi num pequeno clube noturno da cidade que Fabio a viu pela primeira vez. Escorado no balcão ele pedia um uísque quando a notou numa mesa. Ela bebia sozinha o seu drink. Devia ter por volta de trinta, mas seu corpo ainda não passara da faixa dos vinte, vestia um vestido preto longo, assim como seus cabelos. Não olhava para a porta a toda hora, o que fez Fabio acreditar que talvez não esperasse ninguém em especial, talvez esperasse qualquer um, e quem sabe não fosse ele. Pegou seu uísque e foi ate a mesa dela. Apontou com o dedo em direção a cadeira vazia a sua frente:

-Posso?

Ela não disse nada, apenas balançou a cabeça positivamente enquanto seus olhos o examinavam. Ele seguiu:

-Você espera alguém?

-Quem sabe!

Fabio gostou da resposta, era dúbia, mas lhe dava esperanças. Tentava se lembrar de algo que não lhe parecesse uma cantada antiga, mas lhe escapou:

-Não me lembro de tê-la visto por aqui antes.

-É a primeira vez que venho a esse bar. Meu namorado não gostava de sair muito.

-Seu namorado? E você continua namorando?

-Não, acabou. Já faz uns três meses.

-É, mas uma mulher linda como você não deve ficar muito tempo sozinha. Deve haver um monte de caras atrás de você.

-A verdade é que eu não estou querendo me prender a ninguém no momento, quero curtir um pouco a minha liberdade.

-Eu também não procuro nada serio, quero mais é curtir a vida.

-E essa aliança de noivado?

Fabio olha o dedo e nota a aliança de noivado, ali, descaradamente o entregando. Era natural que depois de tanto tempo flertando em barzinhos, pelo menos uma vez, ele acabasse esquecendo de tirar a dita cuja do dedo. Mas precisava ser justo com aquela gata? Atrapalhadamente ele tenta se explicar:

-E que…essa aliança…eu tinha…esquece.

Ele vai se levantando da mesa, mas ela segura a sua mão:

-Pode ficar, eu não me importo. Meu nome e Simone.

Fabio se senta e ali fica pelas próximas duas horas numa conversa calorosa. Quando a conversa esquenta demais eles decidem seguir para um motel. Lá Fabio tem a melhor noite de amor de sua vida, nada parecido com a sua noivinha, que era um lanchinho comparado com aquele banquete. Na manha seguinte eles se despedem, Fabio pede o telefone dela já esperando que ela diga que aquilo foi uma noite de loucura que não se repetiria. Mas Simone da o telefone dizendo que estará livre na quinta. Fabio esta nas nuvens, durante o dia não consegue pensar em mais nada a não ser naquela mulher deslumbrante. Telefona para a noiva e arranja uma desculpa para não vê-la. Depois de uma longa espera chega a quinta e o ritual se repete: drinks, uma conversa apimentada e um gram finale no motel. De manha Simone lhe diz para telefonar no sábado, se não houvesse problema por causa da noiva. Fabio diz que não tem problema e que se preparasse para sábado. Na verdade Fabio já tinha tudo muito claro na sua cabeça. No sábado ele a encontra, deslumbrante, no mesmo clube de sempre:

-Oi, gato.

-Oi, meu amor.

-A noivinha não reclamou de você deixá-la sozinha sábado de noite?

-Reclamou, mas não faz mal. Agora é ex-noiva.

-Como è?

-È isso mesmo, acabei tudo. Eu já não agüentava mais ela. O que eu quero mesmo è ficar com você.

-Então é isso? Você tinha de estragar tudo mesmo.

-Estragar o que?

-Eu já tinha te dito que eu não quero nada de serio. As coisas estavam indo tão bem assim, sem preocupações, sem cobranças.

-Mas não precisa ser assim. Nos podemos nos dar muito bem juntos.

-Pois saiba que eu não quero mais nada com você, adeus.

Simone deixa a mesa e o bar. Fabio fica ali bebendo e vendo a sua vida vendo a baixo. Depois de muitas doses ele decide voltar pra sua antiga noiva, ou pelo menos tentar. No dia seguinte ele vai a casa da sua ex-noiva e pede pra voltar. Mas ela não quer nem conversa, não depois dele ter dito que a traia freqüentemente e que ela parecia um vegetal na cama. Ate Fabio concorda que pegou meio pesado e resolve desistir, não tinha volta.

Mas ele não podia mais viver sem Simone. Ele a telefonava, mas ela desligava na sua cara. E foi numa noite, depois de percorrer muitos bares da cidade que Fabio a encontrou sentada a uma mesa, exatamente como a vira na primeira vez. Ele vai ate a mesa dela, que ao notá-lo faz menção de levantar da mesa e ir embora. Mas antes que ela saia, Fabio balança a mão na frente do rosto de Simone:

-O que é isso, Fabio?

-Não esta vendo a aliança? Noivo de novo. E agora com casamento marcado.

Ela se acalma e volta se sentar. Fabio explica que a noiva aceitou-o de volta desde que marcassem o casamento. O ritual de sedução se repete e os dois acabam no motel.

Às vezes Fabio ainda pensa em contar toda a verdade a Simone, que a ama e que não existe, literalmente, mais ninguém em sua vida, mas então o medo de perdê-la volta e ele recoloca a aliança do falso compromisso. Com o tempo Fabio foi aprendendo truques pra apimentar a sua relação, como passar um pouco do perfume da sua suposta noiva pelo corpo todo. Ou então se esfregar na parede de tijolos da sua casa para simular arranhões apaixonados da sua falsa noiva. E depois do falso casamento as mentiras atingiram um outro nível. Fabio ate teve de gastar um dinheirão para que um cara fizesse o álbum de casamento dele, é claro que tudo em montagem de computador. Tudo isso funciona como um ótimo afrodisíaco para Simone, que o leva as alturas. Os amigos de Fabio não entendem o porque dele não sair mais de casa, mas ele tem de ficar esperando os telefonemas que Simone faz esperando que a mulher dele atenda, para isso Fabio gravou uma fita com uma voz feminina perguntando quem fala. Fabio percebe que toda vez que a sua mulher liga ela fica muito excitada. Fabio não faz nem idéia de como isso vai acabar, já fazem mais de seis meses de casamento e ele ainda não tem coragem de contar a Simone que ela não é sua amante, que ela é a única mulher na sua vida. Ele já planejou para que sua falsa mulher morresse em um acidente de carro para que ficasse livre, mas teve medo de que isso afugentasse a Simone. Hoje a relação anda meio parada, Simone parece ter começado a perder o interesse, pelo menos ate semana que vem, quando Fabio contara a ela que ira ser pai…