Para ser um bom cão existem regras. A mais importante é nunca morder a mão do dono. O dono -e isso não é difícil de identificar- é sempre aquele que alimenta o cão. Que também lhe dá a coleira e que aplica o corretivo.
Sua mão alcança o bife no meu prato. Já havia recusado. Não obrigado, estou satisfeito. Mesmo assim -e ele ouviu da primeira vez, sei que ouviu- coloca o bife no meu prato. O cão não tem opção. Não comer é uma desfeita com o dono. Um cão não tem vontade própria. A vontade do dono prevalece sobre a vontade do cão.
Come! È uma ordem. O verbo imperativo pertence ao dono. O cão fica com o verbo condicional. Eu quereria ser livre. Foder a cadela do dono. Lamber sua xoxota sebenta. Sorver os seus mamilos. Come-la e deixá-la cheia de porra pra que o dono pudesse ver que estive ali, no seu território. Não come! Diz o dono.
Não como.
Mastigo. Como um bom cão. O bife engasga em minha garganta. O dono sorri satisfeito. Não porque se delicie de ver o cão bem alimentado. Mas porque sabe que o cão não pode morder a mão que o alimenta. Seria reprovado por todos. O resto da matilha aceita, porque com ele seria diferente?
O dono está sempre certo. Quando não está certo não se pronuncia. Mas ele sempre se pronuncia.
A mão que bate é a mão que educa.
O bife é o poder.
O dono segura os culhões do cão, que só fode as cadelas quando ele permite. Aquelas que ele permite. Sua castração não é física ou química. È a castração do poder.
Desaparecido o dono – doce ilusão- os sintomas podem não desaparecer. O dono fica fazendo parte do cão. É a fece do cão que odeia a si mesmo. A parte que, mas do que aceitar a coleira, deseja a coleira.
Não sabe mais viver sem ela.
O cão chora pelas pessoas sem coleira, por elas tornarem o mundo tão insuportável, com seus ares de liberdade. Grandes merdas, a liberdade.
O cão aprende a amar o dono e a coleira. Não tem amor próprio.
O dono aprende a nunca amar o cão. Somente a coleira.
Eder Z
Um bom cão