Num fim de semana qualquer, dois amigos conversam ao lado de uma churrasqueira onde restam brasas e espetos vazios. Ao redor deles oito garrafas de cerveja denunciam que a conversa já esta na fase das grandes revelações.
-Sabe, Pedro, eu acho que nunca vamos entender realmente o que as mulheres querem.
-Também acho que não, oh bicho mais complicado.
-Mas oh bicho bom.
-Isso é mesmo.
-Esses dias eu tava com uns amigos da facul lá no bar do Noronha, e dai nós, os homens da mesa, perguntamos as mulheres da mesa o que é que elas realmente queriam. Que tipo de homens elas esperavam que a gente fosse.
-E dai?
-A gente queria saber se elas queriam aqueles top models da tv, tipo paquito mesmo, ou se elas queriam algo mais bruto. Sabe o que elas disseram?
-Nem sei.
-Pelo menos pras seis que tavam ali na mesa foi uma unanimidade: queriam um cara mais bruto, do tipo machão. A Marcinha foi a mais radical, disse que homem que faz a unha e usa condicionador no cabelo não dava pra querer. E que bom mesmo era homem rústico, do tipo que tem cicatriz.
-Cicatriz?
-Rapaz, a mulherada da mesa ficou toda ouriçada quando o assunto foi cicatriz. Tai uma coisa que mexe com elas.
-Bom pra quem tem. Eu não tenho nenhuma.
-Pior que eu também não. E olha que quando moleque eu vivia me atirando das arvores como um macaco. E nada, nem um sinalzinho.
-Um dia eu e meu primo estávamos brincando com dois espetos e eu sem querer dei uma espetada na perna dele. Rapaz, aquilo ficou uma cicatriz que parece uma facada. Nos tempos de colégio ele vivia se exibindo com aquela cicatriz. Vai vê ate é por isso que hoje ele ta com um mulherão daqueles.
-Pior, que mulherão.
-Eu também queria uma cicatriz, mas as chances do cara ter algum tipo de acidente que deixe uma cicatriz é muito pequena depois dos vinte e cinco.
-E eu então? Tu acha que eu vou conseguir alguma cicatriz trabalhando numa contabilidade? Pode esquecer.
Os dois bebem em silencio por algum tempo. Ao redor doze garrafas de cerveja vazias. Ate que Pedro fala solenemente:
-Já sei o que fazer?
-Fazer do que?
-Da cicatriz, aquela sua historia de espeto me deu uma idéia.
-O que você vai fazer com esse espeto?
Pedro coloca a ponta do espeto dentro da churrasqueira, com o ferro em contato com as brasas de carvão e se volta ao amigo:
-Se a gente quiser pegar mais mulher a gente tem de fazer aquilo que elas gostam.
-Que é isso Pedro, tira esse espeto dai.
-É o seguinte Marcos, eu sempre quis ter uma cicatriz aqui o, no meu braço direito, bem no bíceps. É só tu pegar o ferro quente do espeto e dar uma passada rápida no meu braço. Depois fica uma cicatriz bacana. Que tu acha?
-Cara, que doideira. Tu tens certeza que quer que eu meta um ferro quente no teu braço?
-Eu só confio em ti pra fazer uma coisa dessas. E se tu quiser eu também posso fazer uma em ti.
-Uma cicatriz em mim?
-Qual é, tu mesmo disse que queria ter uma cicatriz. Fala ai, onde é que tu quer uma cicatriz?
-É, ate que uma cicatriz na barriga ficaria legal. Mais isso deve doer pra caramba.
-O que é uma dorzinha comparada com a gratidão da mulherada?
-E isso não pode infeccionar?
-Que nada. Ali o, pega o álcool. Depois agente passa o álcool em cima.
-Ta, mais eu não sei se eu vou ter coragem de te furar.
-Qual é cara? Tu e teu pai não marcavam gado no interior?
-Em primeiro lugar: era o meu pai que marcava, e em segundo: isso e bem diferente de marcar gado.
-Então eu faço em ti primeiro.
-Não, pode deixar que eu faço. Me dá o espeto aqui.
-Faz aqui o, não faz mais embaixo se não fica estranho.
-É só tu não te mexer.
-Perai, deixa eu me concentrar.
-Olha Pedro, acho que a gente não deve fazer isso. Aposto que se a gente não estivesse bêbado a gente não fazia uma loucura dessas.
-E é por isso mesmo que a gente tem de fazer agora, antes que a gente fique sóbrio.
-Ta, arregaça as mangas da camisa.
-Vai rápido.
Marcos aproxima a ponta do espeto lentamente em direção ao braço de Pedro, que começa a suar. Quando o ferro esta prestes a tocar o braço, Pedro grita:
-Para ai, parai. Não vai dar cara, isso deve doer pra caramba. Quem sabe a gente tenta outra hora?
-Acho bom mesmo. Era bem capaz de eu fazer a cicatriz toda torta.
Os dois ficam um tempo em silencio, como que em reflexão profunda. Ou bebedeira mesmo. Ate que Pedro quebra o silencio:
-O Marcos, me ajuda a levar essas garrafas pra dentro. Daqui a pouco os velhos chegam e isso aqui ta a maior bagunça.
Os dois juntam umas quatro garrafas cada e vão em direção a casa. Ao pisar no piso da área de serviço Pedro cai em cima das garrafas. Marcos ajuda o amigo a levantar e percebe que no chão ha, pelo menos, duas garrafas quebradas. Pedro olha pro seu antebraço e nota um enorme corte por onde escore sangue.
-Cara, da só uma olhada, meu braço ta todo ferrado.
-Bah Pedro, o negocio parece bem fundo. Vamos já pro hospital.
-Vamos. Mas é melhor chamar um táxi.
-Eu vou lá chama.
-Perai. Que qui tu acha: vai precisa de pontos?
-É quase certo.
-Ate que vai ficar uma cicatriz bacana.
-Tu não tens jeito mesmo. Vou chamar o táxi.
-Pode ir. E já vai se preparando, semana que vem a gente da um jeito de marcar a tua barriga.